quarta-feira, 7 de abril de 2010

Sonhos

Sonhos

Já cai a tarde e o dia birrento tenta não se render aos encantos da noite. Com sua teimosia habitual nos deixa um maravilhoso e silencioso espetáculo. Vai se curvando as cores fortes e marcantes da noite, e ao mesmo tempo atenuando a frieza e a solidão que ela traz. E nessas horas começo a rezar para consolar o meu coração ou simplesmente para agradecer a riqueza de vivenciar este encontro de contrários de cada dia.

Nessas horas, lembro do Anjo, é assim que chamava o meu Silva. Tenho saudades dos seus olhos tão firmes e silenciosos, lembro bem da primeira vez que os vi, e mais ainda quando os pude ter bem perto, frente aos meus, ou melhor, dentro dos meus. Lembro do detalhe, da riqueza de detalhes que era tê-los dentro do meu coração. Lugar aconchegante para deixar tão lindos diamantes.

Quis por um momento sentir seu sorriso junto do meu coração. Ser feliz é poder vivenciar um amor dentro da alma. Ágape? Não sei se posso dizer isso. Mas, amor. E amor que é amor deixa saudades. Nessas tardes frias posso ainda ouvir o Silva falar de vida - amor. Ele falava de amor da maneira mais difícil de esquecer, entrelaçando os dedos sobre as cordas de um violão. Era delicado, suave e apaixonante. É como uma xícara de chocolate quente num dia frio. Onde a doçura vai envolvendo o paladar a cada gole vagaroso, saboroso e quando esta termina ,ficam os lábios inertes a suavidade do gosto,contudo, não tem coragem de pedir mais nada, além de um sorriso. Sua melodia por vezes, sem voz, tocava o coração.

E coração que ama é diferenciado... Sonha, chora e ri em frações de segundos por um verso ou uma prosa. Eu quis ter este amor para sempre. Acreditei em cada abraço e cada sussurro da alma ao dizer: - Eu te amo. Só a alma pode sussurrar amor, só ela pode cristalizá-lo ou quebrá-lo. Pois é ela que o sente.

As tardes passam devagar... Ainda sinto o soar da campainha da casa como um sino que alegrava meu coração ao saber que o Silva chegara. Seu sorriso, misto de verdade e mistério me fazia feliz, me fazia sonhar. Era como uma rosa ansiosa para deixar de ser botão e exalar o mais terno e suave perfume ao vê-lo. Queria ser rosa, não qualquer rosa. Aquelas que são frágeis e duram muito pouco, cujas pétalas exprimem um aroma intenso e marcante. E eu fui rosa, quando pude exprimir diante dele minhas pétalas cheirosas, que pouco a pouco se deixavam ser tocadas pelas suavidades dos acordes de suas mais ternas melodias.

Aprendemos a partilhar vida, e vida partilhada, é vida amada. Aprendemos então a amar. Um com o outro. Cúmplices na vida e para a vida. A vida tornou-se como um jardim, onde podíamos experienciar o toque suave do vento nas copas verdes de nossa amizade, observar o trabalho santificante das abelhas em busca do néctar, que para nós se tornara o brilho do olhar do outro, do nosso olhar. O crescimento da grama de nossos sonhos e conquistas era a deliciosa fragrância da presença do amor em nossos corações.

Às vezes foi preciso tolher, mas o Silva era suave até nesses momentos e toda poda bem feita traz crescimento e geralmente, quase sempre, muitos frutos. A primavera estava próxima e alguns ventos fortes nos levaram para longe do nosso jardim. Esta ventania chamada distância fecundou a solidão em nossos canteiros. E de repente, o nós deixou de existir.

Sabe, às vezes penso que se eu pudesse sussurrar nossa canção o Silva aparecerá no jardim, e sorriremos, e num abraço terno e infinito poremos fim as nossas saudades. Talvez nossas rosas fossem na verdade orquídeas frágeis e que florescem uma vez a cada ano-vida.

Bem, só sei que o violão está aqui, junto ao velho banco no qual cultivávamos nossas mudas de felicidade. Ele não tem a mesma afinação, o Silva esqueceu-me de dizer como afinava, penso que era nosso amor que o afinava. Não sei... Agora, olho as tardes que passam devagar ao lado dele.

Ouço o barulho do nosso velho caderno de anotações de vida caindo de minhas mãos. E acordo na rede. Ainda é tarde e já primavera, os pássaros cantam... Mas, cadê o Silva? Será que ele era sonho ou beija-flor? Apenas sei que ainda há amor.

3 comentários:

  1. Espero que alguém me conte sua história.Talvez você também tenha um jardim.

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  2. Todos nós temos nosso jardim, minha linda flor!
    Bjaum

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  3. certamente todos temos um jardim e o seu será visitado em breve com umm lindo presente de Deus!bjos

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