Sonhos
Já cai a tarde e o dia birrento tenta não se render aos encantos da noite. Com sua teimosia habitual nos deixa um maravilhoso e silencioso espetáculo. Vai se curvando as cores fortes e marcantes da noite, e ao mesmo tempo atenuando a frieza e a solidão que ela traz. E nessas horas começo a rezar para consolar o meu coração ou simplesmente para agradecer a riqueza de vivenciar este encontro de contrários de cada dia.
Nessas horas, lembro do Anjo, é assim que chamava o meu Silva. Tenho saudades dos seus olhos tão firmes e silenciosos, lembro bem da primeira vez que os vi, e mais ainda quando os pude ter bem perto, frente aos meus, ou melhor, dentro dos meus. Lembro do detalhe, da riqueza de detalhes que era tê-los dentro do meu coração. Lugar aconchegante para deixar tão lindos diamantes.
Quis por um momento sentir seu sorriso junto do meu coração. Ser feliz é poder vivenciar um amor dentro da alma. Ágape? Não sei se posso dizer isso. Mas, amor. E amor que é amor deixa saudades. Nessas tardes frias posso ainda ouvir o Silva falar de vida - amor. Ele falava de amor da maneira mais difícil de esquecer, entrelaçando os dedos sobre as cordas de um violão. Era delicado, suave e apaixonante. É como uma xícara de chocolate quente num dia frio. Onde a doçura vai envolvendo o paladar a cada gole vagaroso, saboroso e quando esta termina ,ficam os lábios inertes a suavidade do gosto,contudo, não tem coragem de pedir mais nada, além de um sorriso. Sua melodia por vezes, sem voz, tocava o coração.
E coração que ama é diferenciado... Sonha, chora e ri em frações de segundos por um verso ou uma prosa. Eu quis ter este amor para sempre. Acreditei em cada abraço e cada sussurro da alma ao dizer: - Eu te amo. Só a alma pode sussurrar amor, só ela pode cristalizá-lo ou quebrá-lo. Pois é ela que o sente.
As tardes passam devagar... Ainda sinto o soar da campainha da casa como um sino que alegrava meu coração ao saber que o Silva chegara. Seu sorriso, misto de verdade e mistério me fazia feliz, me fazia sonhar. Era como uma rosa ansiosa para deixar de ser botão e exalar o mais terno e suave perfume ao vê-lo. Queria ser rosa, não qualquer rosa. Aquelas que são frágeis e duram muito pouco, cujas pétalas exprimem um aroma intenso e marcante. E eu fui rosa, quando pude exprimir diante dele minhas pétalas cheirosas, que pouco a pouco se deixavam ser tocadas pelas suavidades dos acordes de suas mais ternas melodias.
Aprendemos a partilhar vida, e vida partilhada, é vida amada. Aprendemos então a amar. Um com o outro. Cúmplices na vida e para a vida. A vida tornou-se como um jardim, onde podíamos experienciar o toque suave do vento nas copas verdes de nossa amizade, observar o trabalho santificante das abelhas em busca do néctar, que para nós se tornara o brilho do olhar do outro, do nosso olhar. O crescimento da grama de nossos sonhos e conquistas era a deliciosa fragrância da presença do amor em nossos corações.
Às vezes foi preciso tolher, mas o Silva era suave até nesses momentos e toda poda bem feita traz crescimento e geralmente, quase sempre, muitos frutos. A primavera estava próxima e alguns ventos fortes nos levaram para longe do nosso jardim. Esta ventania chamada distância fecundou a solidão em nossos canteiros. E de repente, o nós deixou de existir.
Sabe, às vezes penso que se eu pudesse sussurrar nossa canção o Silva aparecerá no jardim, e sorriremos, e num abraço terno e infinito poremos fim as nossas saudades. Talvez nossas rosas fossem na verdade orquídeas frágeis e que florescem uma vez a cada ano-vida.
Bem, só sei que o violão está aqui, junto ao velho banco no qual cultivávamos nossas mudas de felicidade. Ele não tem a mesma afinação, o Silva esqueceu-me de dizer como afinava, penso que era nosso amor que o afinava. Não sei... Agora, olho as tardes que passam devagar ao lado dele.
Ouço o barulho do nosso velho caderno de anotações de vida caindo de minhas mãos. E acordo na rede. Ainda é tarde e já primavera, os pássaros cantam... Mas, cadê o Silva? Será que ele era sonho ou beija-flor? Apenas sei que ainda há amor.
Espero que alguém me conte sua história.Talvez você também tenha um jardim.
ResponderExcluirTodos nós temos nosso jardim, minha linda flor!
ResponderExcluirBjaum
certamente todos temos um jardim e o seu será visitado em breve com umm lindo presente de Deus!bjos
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